terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A gente não quer só comida

Hoje foi dia de mais uma "reunião de alto nível" aqui em Madri. Mas esqueça acordos multilaterais, medidas de segurança, desemprego, imigração: o assunto desta vez é gastronomia, e protagonistas, nomes como o espanhol Ferran Adrià - considerado o melhor chef do mundo - e o francês Alain Ducasse.
Eles participam do Madridfusión, um dos principais encontros gastronômicos do mundo, que acontece no Palácio de Congressos da cidade de hoje a quinta-feira. Nesses dias, os olhos do mundo gastronômico estão em Madri. E não por menos: na última década, a Espanha produziu uma "safra" de chefs que vêm ditando as tendências da alta culinária ano a ano.
E os principais estarão no encontro, que já começou com notícia quente: o Ferran Adrià, um catalão que transformou a gastronomia mundial com a sua chamada cozinha molecular (é difícil de entender e caro de comer) e que tem três estrelas - a cotação máxima - do Guia Michelin, anunciou que vai fechar por dois anos seu restaurante, o El Bulli (mais nesta nota que fiz para a Folha Online).
Abaixo, em "subposts" mais detalhes sobre Adrià e o que rolou hoje no encontro.

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Tirando o Adrià, a "onda ecológica" foi o assunto do dia. De manhã, chefs e críticos discutiram se é possível que a alta gastronomia - fã de métodos ecologicamente incorretos, como o foie gras - contribuir para o meio ambiente. Todos disseram que sim.
"Hoje em dia há essa ideia de que se é orgânico há menos sabor. Mas acho que estamos prestes a ter uma grande mudança. Os chefs vão adotar cada vez mais o conceito de ecocozinha", disse a jornalista americana Ruth Reich, editora da revista Gourmet.
"A grande cozinha não pode mudar o mundo, mais pode passar por uma mudança de valores e é certo que vai mudar seus modelos, que se tornarão mais ecológicos. Essa é uma tendência", emendou o jornalista espanhol Marcos Bolasco.
Embora não tenha convencido muito os participantes, o tema passeou por quase todas as palestras, inclusive a de Adrià, e volta à mesa amanhã e na quinta-feira.


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O prefeito de Madri, Alberto-Ruiz Gallardon, que não é bobo e é oposição, marcou presença nos holofotes, ao anunciar a homenagem do Madridfusión aos chefs espanhóis.
"Queremos ser uma cidade gourmet, entrar na rota do turismo gastronômico. A gastronomia é hoje um dos eventos culturais mais importantes da Espanha em todo nosso calendário. Apesar da crise, a gastronomia da Espanha está conseguindo se reinventar, com versatilidade e criatividade. Temos novos negócios, como os cozinheiros nômades, os serviços de cateringe a questão da sustentabilidade [por coincidência, três temas do encontro]", declarou.


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Você comeria caquinhos de vidro, um pombo ou um órgão cru de uma lebre espremido em uma peneira?
E se isso tudo fosse servido pelo melhor chef do mundo?
Pois foram essas algumas das criações apresentadas hoje pelo o catalão Ferra Adrià, como parte da sua "coleção de outono". Outras foram o néctar de uma flor, que se toma diretamente do caule, "uma coisa muito poética", nas palavras de Adrià, lentilhas desconstruídas e depois injetadas com uma seringa em uma peneira com água, camarões com azeite de chá, um Cosmopolitan quente com chá verde, consomé de ouriço do mar, consomé de pombo com folhas de outono de chocolate e, de sobremesa, falsos moluscos que, ao serem abertos, revelam-se um sorvete de caramelo em forma de pérola.
Muito complexo? Ok, tinha também caldo de cana.
Adrià, aliás, foi mesmo a estrela hoje. E não só pela facilidade com que lida com câmeras, plateias e repórteres. Aliás, demostrava o contrário no início da maratona - ele participou de manhã de uma homenagem a chefs espanhóis, depois fez uma apresentação para a plateia geral de novos ingredientes para a próxima temporada do El Bulli e fez coletiva de imprensa para anunciar o tal fechamento temporário do restaurante. E ainda papeou e bebeu muito champagne com jornalistas até o fim do dia...
Antes, contudo, parecia tenso. Roía as unhas, esfregava a mão sobre as sobrancenlhas, olhava continuamente para todos os lados, como que analizando cada um dos presentes no auditório do Palácio de Congressos de Madrid. Sorria pouco, ao contrário de seus colegas. Aceitou gentilmente um pacotinho de nozes distribuído por garçons no auditório. Em seguida, levantou e abandona o pacotinho no braço da cadeira.

Mas foi só entrar no palco que se transformou. Gesticulava, sorria, falava, falava, falava. E assim foi até o início da noite, quando tomava champagne e zanzava pela sala de imprensa.

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