sexta-feira, 28 de maio de 2010

Do Rio ao mar de crises

Um voto. Essa foi a diferença do placar na votação da "varredura social" que o governo da Espanha anunciou na semana passada. Por um voto, o Congresso do país fez cair ontem pensões, parte dos salários do funcionalismo público e uma série de benefícios, como os 1.200 euros para casais que tenham filho, num claro sinalizador da crise do Estado de Bem-Estar Social europeu. "É o início do fim", proclama hoje um jornal espanhol.
Um voto. Essa foi uma das demonstrações mais explícitas atualmente de como a Espanha está dividad com relação ao apoio ao governo de José Luis Rodriguez Zapatero, que ao longo dos quase oito anos de mandato teve amplo apoio da população - até que veio a crise econômica e da relação de Zapatero com o povo espanhol.
Mas, se a população não aprovou os recortes de gasto, a União Europeia "expressou satisfação" pela aprovação do plano. É que ele representa um indicador de que a Espanha está disposta a recortar no social - uma das principais bandeiras políticas de Zapateiro - para se enquadrar nos padrões "de mercado" da União Europeia.
Quer mostrar aos seus sócios que, sim, a Espanha é um país europeu, mesmo que para isso sacrifique sua própria população.
Zapatero sabe bem disso. Não por acaso, cancelou sua ida ao Rio, onde participaria da "Aliança das Civilizações", no Aterro do Flamengo, para tentar colocar ordem na casa e acalmar os vários setores indignados com a medida e que preparam greves, manifestações e paralizações - a começar pela da Renfe, que administra todos os trens do país e parou hoje.
Alguém tem dúvida se o presidente espanhol preferia estar por aqui administrando acordo com sindicatos ou tomando um drinque de fim de tarde no Aterro do Flamengo?

quinta-feira, 20 de maio de 2010

"El País" e Brasil, um caso de amor

Uma "parceria" das boas fizeram o governo brasileiro e o jornal espanhol "El País", que, nas últimas semanas, tem destacado o Brasil em tudo quanto é editoria. Depois de uma longa entrevista de Juan Luis Cebrián, o manda-chuva da publicação, com Lula na semana passada, de uma reportagem de capa na revista de domingo sobre o Brasil e de um perfil de Dilma Rousseff, ontem o jornal abriu suas portas para o presidente e sua comitiva entrarem: fez um seminário chamado "Brasil. Aliança para a nova economia global", no qual o próprio presidente Lula, além dos ministros Guido Mantega e Paulo Bernardo e dos presidentes do BNDES, Luciano Coutinho, e do Bradesco, Luiz Trabuco, foram os discursantes.
A trupe passou uma manhã inteira tentando convencer uma plateia de empresários e investidores espanholes que o Brasil, uma economia "sólida", é "o país do momento", nas palavras do presidente.
No mesmo dia, o jornal saiu com suplemento especial sobre o Brasil. E os discursos foram transmitidos pelo site do "El País", que abriu especial sobre o Brasil com suas principais tendências. As páginas podem ser conferidas aqui, aqui, aqui e aqui.
Mas a farra tupiniquim nas páginas do jornalão espanhol ainda não acabou. Neste sábado, sai caderno de viagem especial sobre o Rio de Janeiro, que parece selar as pazes do jornal com o Brasil, de quem, aliás, andava "falando mal" nos últimos meses...

Abaixo, matéria que eu fiz para a Folha de São Paulo desta quinta-feira sobre a visita de Lula:

Estrangeiro reclama de burocracia
Em evento com Lula, espanhóis elogiam expansão brasileira, mas ainda veem entraves aos negócios

LUISA BELCHIOR
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE MADRI

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou seu último dia na Espanha, um país ainda mergulhado na crise econômica, para pedir mais investimentos no Brasil.
Levou uma comitiva formada por Guido Mantega (Fazenda), Paulo Bernardo (Planejamento) e pelos presidentes do BNDES, Luciano Coutinho, e do Bradesco, Luiz Trabuco, que soltaram uma enxurrada de cifras para mostrar a solidez e a "previsibilidade" do país.
"Venho aqui pedir que os senhores acreditem no Brasil e invistam no Brasil", disse Lula ontem a cerca de 150 empresários espanhóis, durante seminário sobre o futuro do Brasil.
Na plateia, investidores -como os presidentes das multinacionais Telefónica e Iberdrola, representantes de empresas ligadas ao petróleo e ao esporte e banqueiros- se mostraram especialmente animados com cifras de aumento do consumo, diminuição do deficit público e previsões de crescimento na casa dos 6% neste ano.
Mas alguns deles, ouvidos pela Folha, disseram-se cautelosos com os efeitos da crise na Espanha e entraves de investimentos no Brasil.
"Ainda há muita burocracia no Brasil e a política fiscal é muito complexa. Também estamos vendo uma competição excessiva lá", avaliou o diretor da Câmara de Comércio espanhola Gonzalo Solada.
Mesmo assim, ele afirma que o Brasil é apontado como um dos principais mercados para investidores espanhóis.
O crescimento do consumo, que, segundo expôs Mantega, ficou na casa dos 9% em abril -"quase uma demanda chinesa"-, é um dos principais atrativos para os espanhóis.
Isso porque, segundo apontaram ontem, seu expertise atual está em produtos voltados à chamada classe C brasileira, como artigos de telefonia, turismo e roupas.
"Temos muito mercado para descobrir no Brasil", disse Dominique Riberolles, da Cia. Espanhola de Petroleiros, que há dez anos investe no país. Ele disse que a crise tem estimulado os investimentos em emergentes como o Brasil.

Confiança
"É uma forma de fugir do nosso mercado interno", disse Riberolles, que elogiou o discurso do presidente Lula. "Deu-nos mais confiança."
Confiança foi a palavra-chave da imagem vendida ontem pela comitiva brasileira. Lula falou no país como a 5ª economia mundial em 2020. Mantega deu previsão de fechar 2010 com o deficit público em 1,5% do PIB, "o menor do G20".
Isso para uma plateia que ainda está absorvendo o anúncio, na semana passada, de cortes sociais do governo espanhol para diminuir o deficit de 11% da Espanha -muito acima da meta de 3% da União Europeia.
Questionado por um empresário se não se trata de um "voo de galinha" do Brasil, Paulo Bernardo disse que há preocupação em equilibrar o crescimento. "Achamos muito mais razoável que a economia cresça mais de 6% neste ano e tenha condições de crescer 4,5%, 5% em 2011. O que não queremos é voar além do planejado."

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Kirchner, Irã e Lula dominam cúpula UE-AL em Madri


Nesta semana os presidentes latinos e da União Europeia vieram a Madri para participar da Cúpula UE-AL. Lula, Sarkozy, Ivo González, Angela Merkel, Alvaro Uribe e muitos mais estiveram na cidade para um encontro, como sempre, com muito blablablá e umas poucas medidas.
Para além do debate político e econômico, o grande destaque da cúpula foi a presidente da Argentina, Cristina Kirchner. Desta vez, ela conseguiu roubar as (muitas) atenções do Lula, mesmo que o presidente tenha ganhado um prêmio no encerramento do encontro.
De terninho rosa, colar de pérolas e muito botox, Kirchner falou duro contra o protecionismo europeu e a "falência" da ONU. Como estava também na condição de presidente da cúpula, apareceu mais que ninguém. Qualquer coletiva de imprensa e lá estava ela, falando "em nome de toda a América Latina", lembrando o seu passado como advogada e da sua amizade com Lula. Olhou para a placa de homenagem ao brasileiro e disse: "só consigo pensar onde a Marina vai pendurar este quadro tão lindo".
No mais, o que ficou da cúpula foi o anúncio de reabertura das negociações para um mercado de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia. Ou seja, portas abertas da Europa para os nossos produtos. Claro que há muitos europeus contrários - França, Alemanha e mais oito já assinaram carta em oposição ao livre comércio -, mas o discurso oficial foi de que "a União Europeia quer o livre comércio com o Mercosul, se sair será o nosso mais importante acordo", nas palavras do presidente espanhol José Luis Rodriguez Zapatero, que disse que em julho começa a rodada de negociações.
O Lula, para variar, foi outro destaque. Mesmo sem fazer esforço - não participou de nenhuma coletiva e faltou ao jantar oferecido pela família real espanhola aos presidentes - o brasileiro apareceu por causa da sua visita ao Irã e, no final, pelo prêmio que recebeu de uma organização empresarial espanhola, das mãos da vice-presidente da Espanha. Lá, admitiu que está com o ego inflado, o que não impediu dos discursantes o inflarem ainda mais.
A seguir, uma das notas que fiz para a Rádio França Internacional:
www.portugues.rfi.fr

Luisa Belchior, correspondente da RFI em Madri.

sábado, 15 de maio de 2010

Madri, capital mundial do...tênis


Esta semana aconteceu por aqui o Masters 1.000 de Madri, um torneio que reúne quase todos os chamados "top ten" do esporte e muitos outros, no masculino e feminino, além de ser a "porta de entrada" para a temporada dos Grand Slams, que começa na semana que vem.
O Madrid Open não chega a ser um Roland Garros da vida, mas tem sua bossa.
Uma delas é ter sido o único lugar onde, no último ano, Roger Federer e Rafael Nadal, os reis do tênis atual, se enfrentaram numa final. Uma delas foi há exato um ano, quando o suíço Federer, número um do mundo, tirou do espanhol Nadal a vitória em casa, em uma derrota que, posteriormente, lhe fez perder o posto de segundo do mundo.
A outra delas foi ontem, na revanche perfeita de Nadal. Ele não só bateu Federer como também o recorde de títulos de Masters 1.000 (18 deles). Foi a consagração da sua volta ao topo -mais precisamente ao segundo lugar do ranking, que ele recuperou com as vitórias em Madri-, depois de um ano de lesões e derrotas.
A seu favor, Nadal tinha ainda uma torcida de 11 mil pessoas, sobre a qual escrevi matéria publicada hoje na Folha de S. Paulo, e que reproduzo ao final do post.
No reino das mulheres, o Madrid Open foi uma zebra total. Uma a uma, as melhores do ranking foram caindo: Serena Williams, Caroline Wozniacki (2ª do ranking), Safina (número 5) e Maria José Martinez (espanhola que ganhou o Aberto de Roma). A Venus Williams foi a última delas, e perdeu na final para a francesa Aravane Rezai.
De resto, muitos VIPs, como Cristiano Ronaldo, Raul e a família real espanhola (tirano o rei, que semana passada passou por operação para retirada de um nódulo) e muito, muito tênis. De primeira, mesmo não sendo um Gran Slam.

Torcida vaia, mas aplaude Federer no fim
Federer, que não conseguiu defender o título ganho em 2009

LUISA BELCHIOR
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM MADRI

"Não se esqueça que estamos na Espanha", advertiu Rafael Nadal quando da chuva de vaias recebidas pelo checo Tomas Berdych, em 2006, após o jogador mostrar um dedo nada educado para plateia, que fazia barulho pelo compatriota Nadal.
Explosivos como qualquer bom espanhol, os cerca de 11 mil torcedores que ignoraram a decisão do Campeonato Espanhol de futebol e acompanharam ontem a final do Master 1.000 de Madri -incluindo a rainha Sofia, da Espanha- não chegaram a fazer o mesmo com Federer.
Mas deixaram de lado algumas regras básicas de plateias mais "serenas", nas palavras do próprio Federer.
Numa espécie de mistura entre Maracanã e Roland Garros, o público do Madri Open, acompanhados por celebridades como os jogadores Cristiano Ronaldo e Raul, do Real Madrid -que foram ao torneio todos os dias menos ontem, quando estavam jogando-, e por parte da família real espanhola, respeita (quase sempre) os pedidos de silêncio durante os pontos.
Mas, a cada intervalo, por mínimo que seja, faz barulho. Muito barulho.
Na partida de ontem, intercalava gritos de "Olé!"com "vamos Rafa!", aplaudia de pé pontos as típicas cruzadas de seu compatriota, lamentava suas bolas na rede, agitava bandeiras, ria e até vaiava -como no ponto repetido pela dúvida do juiz e de Federer em uma bola de Nadal.
O próprio espanhol pediu, em um gesto com a mão, para a plateia se acalmar.
"Aprende com ele", gritou um torcedor, quando Nadal, apontou com a raquete para uma marca que assegurava uma bola boa do adversário.
"O público daqui é um público muito animado, faz com que o torneio de Madri seja espetacular", defendeu Nadal após a partida.
"Se nota muita diferença para torneios como Wimblendon. Lá há muito mais silêncio. Aqui [Madri], a plateia se envolve mais, participa", observou o Federer, que, ao deixar a quadra após a final de ontem, ganhou uma salva de aplausos.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Justiça da Espanha suspende seu juiz mais famoso

O juiz espanhol Baltasar Garzón, um dos mais importantes da Europa, acaba de ter suas atividades suspendidas na Espanha. O Conselho Geral do Poder Judicial do país decidiu suspendê-lo por causa dos três processos que ele responde atualmente.
Com a decisão, Garzón fica afastado da Audiência Nacional, órgão que ele presidia e que é um dos mais altos na Justiça espanhola, com competência para julgar casos internacionais. O juiz apresentou nesta manhã um recurso pedindo a anulação dos processos contra ele, mas o recurso não foi aceito pela Justiça.
A suspensão também deve impedir Garzón de ser transferido para o Tribunal Penal Internacional de Haya, o tribunal da ONU que julga crimes internacionais contra a humanidade. O juiz espanhol havia solicitado a transferência no início desta semana. No entanto, os membros do Conselho de Justiça espanhol discutem o pedido na tarde desta sexta-feira.
Na noite de quinta-feira, Garzon declarou que aceitaria a decisão do Conselho do Poder Judicial. Foi a primeira vez que o juiz se pronunciou desde que se tornou réu, no início de abril.
“Afronto [o processo] com tranquilidade, porque sei que sou inocente. Como sou respeituoso com as leis, vou assumir as decisões de amanhã e seguirei com os recursos de defesa”, afirmou Garzon, em entrevista às redes de televisão espanholas.
Famoso por casos em que determinou a prisão do ex-ditador chileno Augusto Pinochet e de Osama Bin Laden, o magistrado acabou se tornando réu no início de abril. Ele responde por um processo por suposta prevaricação e de ir além de sua competência ao determinar, em 2008, investigação sobre crimes da ditadura de Franco na Espanha.
Recai ainda sobre ele acusações de determinar escutas telefônicas supostamente ilegais em investigação de um grupo de corrupção envolvendo o Partido Popular, principal oposição do governo espanhol, e de ter sido pago pelo banco Santander para fazer palestras em Nova York. Logo depois, Garzon absolveu o presidente do banco, Emílio Botin, de um caso em que era réu.
Se condenado, o juiz será afastado de seu cargo por um período de até 20 anos, o que pode significar o fim de sua carreira judicial.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Plano da anti-deficit espanhol: mais aos mercados e menos ao social

Todos os funcionários públicos da Espanha vão ficar sem 5% do salário a partir de julho. Já os pensionistas terão o benefício congelado. Aposentados? Muitos cortes à vista, assim como os 2.500 que ganhavam todos os espanhóis para ter um bebê.
Estas são algumas das nove medidas anunciadas nesta manhã pelo presidente José Luis Rodrigues Zapatero, que já enfrenta uma enxurrada de manifestações, que começaram pelos deputados na sessão de hoje mas deve se alastrar por vários setores da população ao longo da semana.
O principal anúncio foi a redução de 5% no salário dos funcionários públicos a partir de julho e o seu congelamento um ano depois. Polêmica? Não menos que uma série de cortes nas aposentadorias da população espanhola, cada vez mais envelhecida e, portanto, dependente do benefício. Mas o plano de aumentar a população jovem também parece ter ido por água abaixo: os 2.500 euros que cada espanhol ganhava pelo simples fato de ter filho vão pro espaço a partir do ano que vem.
A faca também passou pelas pensões e pelos programas de cooperação internacional do governo espanhol, até hoje um dos mais elogiados no mundo.
Tudo isso para cumprir com um acordo que os países da União Europeia fizeram este fim de semana em Bruxelas. A meta? Reduzir o déficit público, que, na Espanha, é um dos maiores do bloco.
Com as medidas anunciadas hoje, o governo disse que vai economizar 15 bilhões de euros nos próximos dois anos e, com isso, reduzir em cinco pontos percentuais o déficit até o fim do ano. A meta se enquadra nas exigências da EU – e dos mercados, cada vez mais desconfiado da economia espanhola – mas resta saber o que uma população acostumada ao Estado de Bem-Estar Social vai achar dos sucessivos cortes de benefícios.