terça-feira, 23 de março de 2010

Madrid, capital mundial do transplante de órgãos

Na semana passada, o jornal espanhol “El País” reportou histórias de europeus que vão à China em busca de transplantes, muitos deles feitos de forma clandestina. Pagam entre 50 mil e 100 mil euros para receber órgãos que, segundo a publicação, por vezes vêm do mercado negro.
Caso isolado ou não, o fato é, a cada dia, 12 europeus morrem esperando um transplante de órgão, em uma fila que acumula nada menos de 60 mil cidadãos do continente. A constatação é do ministério de Saúde da Espanha, que nesta terça-feira sedia a Conferencia Mundial sobre Doação e Transplante de Órgãos, organizado pela União Europeia.
O encontro, que acontece em Madri com ministros e autoridades sanitárias de todo o mundo, busca formas de unificar as políticas europeias sobre o tema e, com isso, aumentar os índices de doações de transplante no continente. O índice atual, de 18 doadores por cada milhão de pessoas, é considerado muito baixo pela Organização Mundial da Saúde, ainda que mais alto que o do Brasil, de 10 por cada milhão. Na Espanha, considerada pela OMS modelo no assunto, o índice é quase o dobro do bloco, de 34 por cada milhão de habitantes.
O país ibérico encabeça ainda a principal proposta do bloco para reduzir a fila de transplantes e aumentar as doações. Se trata da Diretiva Europeia sobre Qualidade e Segurança dos Órgãos para Transplante, que unifica os procedimentos e critérios para transplantes. A proposta está em discussão no Parlamento Europeo e deve ser votada em maio, segundo a ministra de Saúde espanhola, Trinidad Jiménez.
A ministra, que abriu o encontro na manhã de terça-feira, defendeu a homogeneização das legislações de toda a Europa sobre o assunto. Segundo ela, isso aumentará o intercâmbio entre os países membros e reduzirá o tráfico de órgãos e o chamado turismo de transplante, uma prática comum entre cidadãos europeus, segundo a OMS.
Na Espanha, está em tramite uma reforma do Código Penal que, entre outras medidas, propõe tipificar como delito o tráfico de órgãos e penalizar pessoas que se submetam a transplantes ilegais.
Em discurso inaugural da conferência, a ministra espanhola defendeu a mesma política para toda a União Europeia. Entre os países membros, no entanto, o tema ainda não é unânime.
Na Alemanha, por exemplo, não há qualquer menção sobre o tema do tráfico de órgãos na legislação, segundo a secretária de Estado de Saúde alemã, Anette Widmann-Mauz, que participa da conferência nesta terça-feira. A ministra de Saúde de Portugal, Ana Jorge, que também está no encontro, relatou a experiência de seu país, considerado exemplar em políticas de doações e transplantes pela Organização Mundial da Saúde.
A conferência continua até quinta-feira, com discussões de autoridades e especialistas sanitários da Europa e de países como Austrália, India e China sobre o tema.

segunda-feira, 15 de março de 2010

A Espanha "terceiro-mundista"


O mundo desenvolvido também tem apagão. E com neve. E que dura uma semana. É esse o tempo que moradores da Catalunha, umas das regiões mais ricas da Espanha, estão sem energia elétrica - e, logo, sem calefação -, por causa da queda de uma das torres de alta tensão que cortou o serviço para nada menos que 220 mil pessoas, segundo contabilizou o governo local.
Desde a última segunda-feira, quando uma inesperada nevada, atípica para as vésperas da primavera, atingiu a região da Catalunha. Nada que deveria assustar, no entanto, uma região com um dos maiores PIBs per capita da Espanha - 27.814 euros, acima da média nacional, de 23.874, e até da europeia, de 25.100, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas espanhol.
Mas uma suposta má gestão local combinado com a dependência quase que total de energia de outras regiões - quase 90%, segundo o jornal El País - não só assustou como deixou os moradores de várias cidades sem luz, sem energia e, principalmente, sem calefação.
A solução? Fazer fogueira, como mostraram durante toda a semana os telejornais do país. Escolas cancelaram aulas, bancos e comércios fecharam. A economia local ainda contabiliza os prejuízos.
"Isso é totalmente 'terceiro-mundista'. É inaceitável", protestou uma moradora de Girona em entrevista à CNN espanhola, resumindo o sentimento da população local ante o que se pode interpretar como uma demonstração da falência do Estado de Bem-Estar Social que a Europa tenta sustentar, mas que se mostra cada vez mais fraco. Sobretudo em uma Espanha mergulhada na crise e que, segundo anunciou também esta semana a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) será o último país europeu a sair da crise, junto à Islândia.
Mas, ao contrário de boa parte da população "terceiro-mundista", que sabe que apagão é questão de tempo e desconhece o tal Estado de Bem-Estar Social, o povo da Catalunha foi às ruas protestar, como se pode ver aqui. Durante toda a semana, moradores foram em massa a assembleias com prefeitos de suas cidades para cobrar ação da Endesa, que administra o fornecimento de energia para a região. A companhia informou nesta segunda-feira que o serviço já está quase 100% normalizado.
Nesta segunda-feira, o "El País" noticiou, no entanto, que cerca de três mil pessoas continuavam sem energia e imersos na aparentemente crescente dimensão "terceiro-mundista" do Primeiro Mundo.

quinta-feira, 4 de março de 2010

O fim do Olé?


Se você nunca foi à tourada de Madri, não há motivo para se preocupar. A polêmica festa em que se esfaqueia touros em praça pública vai virar Bem de Interesse Cultural, segundo anunciou nesta quinta-feira a comunidade de Madri. Mas em Barcelona se discute uma lei para fazer justamente o oposto: proibir completamente as chamadas "coridas de toros", uma forte tradição espanhola, que, aliás, já foi mencionada aqui.
Também nesta quinta-feira, políticos, filósofos e toureiros travaram um intenso debate sobre o tema no Parlamento catalão, em Barcelona. E, tal como as touradas, os argumentos foram polêmicos. O filósofo francês Fracis Wolf, pró-touradas, rebateu as críticas sobre a matança de animais praticadas na festa. Disse que, nelas, "o animal e combatido com respeito, não é morto como uma coisa, é uma luta simbólica", argumento que foi contestado pelo espanhol Javier e Lucas, também filósofo: "a violência também inspirou a arte, a festa, o pensamento, pela filosofia, e nem por isso defendemos a violência ou a guerra".
O Partido Popular, principal oposição ao governo, entrou na briga. O líder do partido, Mariano Rajoy, e a presidente da comunidade de Madrid (equivalente ao cargo de governador brasileiro), Esperanza Aguirre, foram às televisões defender as touradas, "um bem a proteger", segundo Aguirre.
Mais que um choque entre a Espanha moderna e a tradicional, a briga reflete também as diferenças entre as regiões da Catalunha, mais progressista e menos conectadas aos símbolos espanhóis, e de Madri, mais tradicionalista e com governo mais conservador.
Mas tampouco é uma briga nova. Nos últimos anos, a sociedade vem discutindo e se dividindo sobre as touradas, com uma tendência crescente a opiniões desfavoráveis a ela. Mesmo assim, um eventual fim do "olé" ainda parece longe. Mas cada vez menos.
A seguir, reportagem da Televisão Espanhola sobre o assunto: http://www.rtve.es/rss/videos/noticias/TE_PCATAL.xml